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Entrevista com equipe do INTO: a lesão do plexo braquial e o papel da equipe multidisciplinar na reabilitação

Em visita ao Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia Jamil Haddad (INTO), no Rio de Janeiro, a iniciativa ABRAÇO acompanhou parte do trabalho da equipe de microcirurgia coordenada pelo Dr. João Recalde¹. A Lesão do Plexo Braquial é uma das especialidades da equipe, que costuma realizar a operação de uma a duas pessoas por semana.

A equipe nos concedeu uma entrevista. Nela, falamos abertamente sobre o que é a Lesão do Plexo Braquial, descrevendo como ocorre a lesão e comentando sobre a reabilitação, a cirurgia para reparar os nervos danificados, o perfil de quem se acidenta e as inúmeras dificuldades que podem dificultar o acesso dos pacientes ao tratamento adequado. O INTO também realiza o acompanhamento dos pacientes com lesão do plexo braquial durante a recuperação, com sessões de fisioterapia e acompanhamento psicológico. 

O Instituto de Traumatologia e Ortopedia é uma instituição vinculada ao Ministério da Saúde. Criado em 1973 com o nome de Hospital de Traumato Ortopedia (HTO), a instituição foi responsável pela implementação de inúmeras práticas pioneiras no campo da ortopedia e traumatologia. Transferido da gerência federal para a gerência estadual em 1991, o hospital voltou para a esfera federal, retornando ao Ministério da Saúde em 1993.

Queria que você falasse um pouco sobre o que é a lesão do plexo braquial

João Recalde: Basicamente, a lesão do plexo braquial é um trauma que ocorre na região cervical. É um acidente traumático no adulto em que existe uma tração do membro, e essa tração repercute na inervação que provém da coluna cervical em direção ao membro superior direito ou esquerdo. Dependendo dessa tração, ocorre uma lesão na inervação que sai da medula e vai na direção do membro e isso causa uma paralisia da musculatura que pode ser total ou parcial, dependendo da intensidade e gravidade da lesão.

Qual geralmente é o perfil das pessoas que chegam no INTO com uma lesão do plexo braquial?

João Recalde: A grande maioria é acidente em via pública. É uma estatística que deve beirar  de uns 60 à 70% dos nossos casos. São pacientes jovens que sofreram acidentes graves e sobreviveram. Antigamente esses pacientes não sobreviviam, mas hoje temos uma maior complexidade no atendimento primário desses pacientes, permitindo que eles sobrevivam à esses acidentes graves. Consequentemente, as lesões do plexo braquial estão aparecendo mais, pois os pacientes não estão indo a óbito nesses acidentes.

Em que situações a cirurgia é recomendada?

João Recalde: Geralmente quando o paciente tem uma lesão que não se recupera. Dependendo da intensidade da lesão no nervo, ele tem a capacidade de se regenerar ou não. Quando o nervo rompe, não se tem outra escapatória. Você vai ter que fazer a cirurgia para reparar o nervo. Se é uma lesão não tão grave, o paciente pode se recuperar espontaneamente. Então a gente espera um período satisfatório para haver uma evolução espontânea favorável depois do acidente, geralmente entre três e seis meses. Se não houver evolução espontânea depois desse período, existe a indicação de fazer uma intervenção cirúrgica exploratória. Você vai abrir o local do trauma para identificar o que ocorreu e checar se é possível recuperar o que você encontrou.

Existe alguma estatística de quantas pessoas passam anualmente pelo INTO com lesão do plexo braquial?

João Recalde: Nós não temos uma estatística exatamente. Eu acredito que vai variar entre 50 e 100 pacientes por ano, já que nós atendemos de um a dois pacientes primários [que acabaram de sofrer a lesão] por semana, no máximo. É uma quantidade bem considerável. Ninguém iria imaginar essa quantidade por ano. São pacientes que ficam por anos sendo acompanhados por nós. Se você for imaginar o acúmulo de pacientes, pensando nos novos e nos que estão fazendo acompanhamento com a gente, a gente tem um volume semanal enorme.

Tem cirurgias primárias, mas tem cirurgias secundárias. Lesão do plexo braquial não é só operar o nervo. Você opera o nervo, mas geralmente o paciente vai ficar com uma sequela funcional e, dependendo da importância dessa sequela, você intervém uma segunda ou terceira vez. Tem pacientes que se operam quatro, cinco vezes para tentar recuperar movimentos que foram perdidos e que não foram recuperados com a cirurgia.

Marcelo Machado²: o que é triste é que tem pacientes fora dos centros urbanos, pacientes do interior do Brasil, que não tem contato com uma medicina em que ocorre o diagnóstico da lesão do plexo braquial. Então tem muitos pacientes em momentos críticos e com uma evolução mais avançada, pois o tempo da reconstrução do nervo passou. Esses pacientes ficam com uma sequela muito maior que a dos pacientes que realizaram a cirurgia no momento adequado. Por conta da burocracia, esses pacientes não têm contato com uma rede de saúde adequada, não chegam ao diagnóstico ou tem uma transferência pra cá mais demorada. Eu fico muito triste com isso. Mas a gente tenta melhorar a situação fazendo tudo o que pode.

Qual o impacto da cirurgia de reconstrução do nervo na redução das dores neuropáticas?

João Recalde: Quase todos os pacientes que passam por uma cirurgia exploratória do plexo, em que você faz uma identificação dos nervos e das raízes que foram lesionadas, relatam uma melhora nas dores. Mas não é algo sistemático. Não são todos os pacientes que relatam melhora. A gente não sabe se existe um componente psicológico envolvido, como um quadro depressivo. Mas no geral existe alívio. Existem pacientes que se estabilizam em relação às dores neuropáticas só depois de dez anos.

Vocês poderiam dar uma recomendação para os pacientes e para os profissionais de saúde? Quais seriam os sinais aos quais os pacientes e profissionais devem estar atentos? Quais seriam as recomendações?

João Recalde: Eu acho que o grande problema está mais na parte médica, na parte profissional. O paciente tem pouca informação sobre o que está acontecendo. É importante que, no atendimento primário, a equipe médica ou multiprofissional tenha conhecimento do problema e saiba encaminhar esse paciente com brevidade para o atendimento. A gente muitas vezes vê pacientes nos atendimentos primários que acabam perdendo o momento ideal de fazer a cirurgia de reconstrução do nervo. As equipes profissionais aqui no Rio de Janeiro ou no Brasil a fora têm que ter consciência de que o paciente vai precisar de um tratamento especializado o mais rápido possível para poder se beneficiar da cirurgia. É fundamental que eles tenham a avaliação de uma equipe especializada capaz de definir o problema e tratar dele da melhor maneira possível.

Marcelo Machado: Eu queria falar para os pacientes, para as pessoas comuns… Se você sofreu um acidente, bateu com o ombro, fez uma escoriação na cabeça, sentiu um choque e teve uma paralisia do membro. Se você foi no médico, fez uma radiografia e verificou que não tem fratura ou luxação, mas não consegue fazer algum movimento do membro superior, do ombro, do cotovelo ou da mão. Se você teve perda na sensibilidade, não sentindo dor. Se você passou por qualquer um desses pontos, você pode estar com lesão do plexo braquial. Você precisa ser acompanhado e, possivelmente, ser operado dentro de três a seis meses. Se o médico disser que não, procure outro médico e outros lugares para que o problema possa ser devidamente avaliado.

Marcelo Brito³: Eu queria falar do lado psicológico da lesão do plexo braquial. Perder o movimento de um braço deixa muitas pessoas se sentindo incapazes. É comum ter depressão, agressividade, irritação, inconformação. Tudo isso aparece com normalidade. Por isso é importante, ao mesmo tempo em que se trata o nervo, dar uma atenção especial à parte psicológica. E por isso é comum dos segmentos que tratam da lesão do plexo braquial oferecer tratamento psicológico, pois esse é um apoio importantíssimo. A gente precisa dizer a verdade para os pacientes que chegam aqui sem possibilidades terapêuticas para o nervo. Precisamos ser objetivos e não alimentar fantasias. Diante disso, a gente vê todo tipo de reação. É comum o paciente chorar durante o atendimento. É uma informação verídica, mas muito cruel para quem a está recebendo.

Patricia Pereira⁴: Assim como é importante saber se alguém realmente tem a lesão, é importante a parte de manter as articulações livres para que não se crie rigidez até a hora de fazer a cirurgia. A fisioterapia é muito importante tanto antes quanto depois da cirurgia. Isso é importante, inclusive, para a boa evolução do paciente e para evitar deformidades, encurtamentos musculares e muito mais. 

Marcelo Machado: Na paralisia do plexo é muito importante manter as articulações em movimento. Mesmo se o membro estiver paralisado você deve, com a outra mão, puxar e esticar os dedos, o cotovelo, os punhos. Tudo isso para manter a articulação flexível. Com isso, depois que a gente faz a cirurgia e os músculos estão prontos para funcionar, as articulações estarão melhores. É como a dobradiça de uma porta. Se você não mexer, a dobradiça vai ficar rígida, dura e você não irá conseguir mexer a porta. Por isso é muito importante manter o movimento das articulações.

É comum em parte das pessoas que acabaram de sofrer a lesão do plexo braquial a expectativa de recuperar os movimentos do membro lesionado logo após a cirurgia. Você pode comentar sobre isso?

Marcelo Machado: Eu sempre explico a gravidade e o prognóstico para o paciente. Existirão sequelas. O membro lesionado não vai ficar igual ao outro por mais que a gente possua a estrutura ideal e faça uma cirurgia perfeita. Mas o pouco que o paciente ganha, o pouco que a dor melhora e o pouco que o movimento melhora já é muito importante para o paciente. Por mais que o médico possa às vezes se sentir frustrado e pensar “mas movimentou um pouquinho”, o paciente logo responde: “Mas eu já consigo praticar tal esporte, colocar a camisa, colocar a mão na boca.”

Marcelo Brito: Eu só queria pontuar que é um procedimento que leva tempo e que, depois da cirurgia, é difícil perceber alguma melhora antes de 6 meses. Por isso é importante continuar com o tratamento e investir na fisioterapia. É importante ter paciência e continuar tentando. Às vezes a melhora surge até depois de um ano.

Patrícia Pereira: É por isso que é tão importante a existência de uma equipe. Nesse período de seis meses a um ano, é importante o atendimento psicológico e é importante um médico que certifique o paciente de que a demora é normal. [É importante] alguém para confortar o paciente durante esse período. A fisioterapia é essencial. Então, com uma equipe bem integrada, os resultados serão melhores. O pouco que o paciente recupera faz diferença.

Agradeço muito a participação e a resposta de todos vocês.  

¹ João Recalde é chefe do Centro de Microcirurgia do INTO.

² Marcelo Machado é médico ortopedista, cirurgião de mão e membro do Centro de Microcirurgia do INTO.

³ Marcelo Brito é cirurgião plástico, cirurgião de mão e membro do Centro de Microcirurgia Reconstrutiva e Cirurgia Plástica do INTO.

⁴ Patricia Pereira é fisioterapeuta do INTO e membro do Centro de Microcirurgia.